terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Predestinação e Livre-Arbítrio (R.C. Sproul )

A predestinação parece lançar uma sombra exatamente no coração da liberdade humana. Se Deus decidiu nossos destinos desde toda a eternidade, isso sugere fortemente que nossas livres escolhas não são senão charadas, exercícios vazios de atuação teatral predeterminada. É como se, na realidade, Deus tivesse escrito o roteiro para nós, e estivéssemos meramente encarregados do cenário.
Para lidarmos com a enigmática relação entre predestinação e livre-arbítrio, precisamos primeiro definir livre-arbítrio. Essa definição é, ela mesma, um assunto de grande debate. Provavelmente a definição mais comum seja a que diz que o livre-arbítrio é a capacidade de fazer escolhas sem nenhum preconceito, inclinação ou disposição anteriores. Para o arbítrio ser livre, é preciso agir a partir de uma postura de neutralidade, sem absolutamente nenhuma tendência.
Na superfície isto é muito atraente. Não há elementos de coerção, nem externos nem internos, a serem encontrados aí. Embaixo da superfície, contudo, estão à espreita dois sérios problemas. Por um lado, se fazemos nossas escolhas estritamente a partir de uma postura natural, sem nenhuma inclinação anterior, então fazemos nossas escolhas sem nenhuma razão. Se não temos nenhuma razão para nossas escolhas, se nossas escolhas são totalmente espontâneas, então nossas escolhas não têm nenhum significado moral. Se uma escolha apenas acontece — apenas surge, sem nenhuma rima ou razão — então não pode ser julgada boa ou má. Quando Deus avalia nossas escolhas, Ele está interessado em nossos motivos.
Considere o caso de José e seus irmãos. Quando José foi vendido como escravo por seus irmãos, a providência de Deus estava operando. Anos mais tarde, quando José se reuniu com seus irmãos no Egito, declarou-lhes: "Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; mas Deus o tornou em bem..." (Gn 50.20). Aqui o motivo era o fator decisivo determinando se o ato era bom ou mau. O envolvimento de Deus no dilema de José era bom; o envolvimento dos irmãos era mau. Havia uma razão pela qual os irmãos de José o venderam como escravo. Tinham uma motivação má. Sua decisão não foi espontânea nem neutra. Tinham ciúme de seu irmão. Sua escolha de vendê-lo foi incitada por seus maus desejos.
O segundo problema que esta visão popular enfrenta não é tanto moral como é racional. Se não há nenhuma inclinação ou desejo anteriores, nenhuma motivação anterior, ou razão para uma escolha, como pode uma escolha ser feita? Se a vontade é totalmente neutra, por que iria escolher a direita ou a esquerda? E algo como o problema encontrado por Alice no País das Maravilhas, quando chegou a uma bifurcação na estrada. Ela não sabia para que lado ir. Ela viu o radioso gato Cheshire na árvore. Perguntou ao gato: "Para que lado devo seguir?" O gato replicou: "Para onde você está indo?" Alice respondeu: "Não sei" " Então", disse o gato Cheshire, "isso não importa."
Considere o dilema de Alice. Na realidade ela possuía quatro opções entre as quais escolher. Ela poderia ter tomado a variante da direita ou a variante da esquerda. Ela também poderia ter escolhido voltar pelo caminho por onde tinha ido. Ou poderia ter ficado parada no lugar de indecisão até que morresse ali. Para que ela desse um passo em qualquer direção, precisaria de alguma motivação ou inclinação para fazê-lo. Sem nenhuma motivação, nenhuma inclinação anterior, sua única opção real seria ficar parada ali e perecer.
Outra famosa ilustração do mesmo problema é encontrada na história da mula que tinha desejo neutro. A mula não tinha desejos anteriores, ou desejos iguais em duas direções. Seu proprietário pôs uma cesta de aveia à sua esquerda e uma cesta de trigo à sua direita. Se a mula não tivesse nenhum desejo, tanto pela aveia como pelo trigo, ela não escolheria nenhum e passaria fome. Se ela tivesse uma disposição exatamente igual para a aveia como tinha para o trigo, ainda assim iria passar fome. Sua disposição igual a deixaria paralisada. Não haveria motivo. Sem motivo, não haveria escolha. Sem escolha, não haveria comida. Sem comida, logo não haveria mula. Precisamos rejeitar a teoria da vontade neutra não somente porque é irracional, mas porque, como veremos, é radicalmente antibíblica.
Os pensadores cristãos nos deram duas definições muito importantes de livre-arbítrio. Vamos considerar primeiro a definição oferecida por Jonathan Edwards em sua obra clássica Sobre a Liberdade da Vontade.
Edwards definiu a vontade como "a escolha da mente". Antes de fazermos quaisquer escolhas morais, precisamos primeiro ter alguma idéia do que é que estamos escolhendo. Nossa seleção é então baseada naquilo que a mente aprova ou rejeita. Nosso entendimento de valores tem um papel crucial a representar em nossa tomada de decisão. Minhas inclinações e motivos, assim como minhas escolhas efetivas são moldadas pela minha mente. Outra vez, se a mente não está envolvida, então a escolha é feita por nenhuma razão e sem nenhuma razão. É então um ato arbitrário e moralmente insignificante. Instinto e escolha são duas coisas diferentes.
Uma segunda definição de livre-arbítrio é "a capacidade de escolher o que queremos". Isto se apóia no importante fundamento do desejo humano. Ter livre-arbítrio é ser capaz de escolher de acordo com nossos desejos. Aqui o desejo desempenha o papel vital de prover uma motivação ou uma razão para se tomar uma decisão.
Agora a parte enganosa. De acordo com Edwards, um ser humano não somente é capaz de escolher o que deseja, como — precisa escolher o que deseja, simplesmente para ser capaz de escolher. O que eu chamo de Lei da Escolha de Edwards é esta: "A vontade sempre escolhe de acordo com sua mais forte inclinação do momento". Isto significa que toda escolha é livre e toda escolha é determinada.
Eu disse que era enganoso. Soa como uma clara contradição dizer que toda escolha é livre e ainda assim toda escolha é determinada. "Determinada", aqui, não significa que alguma força externa compele a vontade. Em vez disso, refere-se à motivação ou desejo interno de alguém. Em poucas palavras, a lei é esta: Nossas escolhas são determinadas por nossos desejos. Elas continuam sendo nossas escolhas porque são motivadas por nossos próprios desejos. Isto é o que chamamos de autodeterminação, que é a essência da liberdade.
Pense um pouco sobre suas próprias escolhas. Como e por que elas são feitas? Neste exato momento você está lendo as páginas deste livro. Por quê? Você pegou este livro porque você tinha um interesse no assunto da predestinação, um desejo de aprender mais sobre este complexo assunto? Talvez. Talvez este livro tenha sido dado a você para ler como uma tarefa. Talvez você esteja pensando: "Não tenho nenhum desejo de ler isto. Tenho de lê-lo, e estou me arrastando com dificuldade com isto para cumprir o desejo de outra pessoa de que eu o lesse. Todas as coisas sendo iguais, eu nunca escolheria ler este livro".
Mas todas as coisas não são iguais, são? Se você está lendo este livro por causa de algum tipo de dever, ou para atender uma necessidade, você ainda teve de tomar uma decisão a respeito de atender uma necessidade ou não atender a requisição. Você obviamente decidiu que era melhor ou mais desejável que você lesse este livro do que o deixasse sem ler. Até aí tenho certeza, ou você não o estaria lendo bem agora.
Toda decisão que você toma é feita por uma razão. Na próxima vez que você for a um lugar público e escolher um assento (um teatro, uma sala de aula, uma igreja), pergunte a você mesmo por que você está sentado onde está. Talvez seja o único assento disponível e você prefere sentar-se a ficar em pé. Talvez você descubra que existe um padrão quase inconsciente emergindo de suas decisões a respeito de sentar-se. Talvez você descubra que, sempre que possível, você se senta mais na frente ou mais no fundo. Por quê? Talvez tenha algo a ver com a sua vista. Talvez você seja tímido ou gregário. Você pode pensar que você se senta onde se senta por nenhuma razão, mas o assento que você escolhe será sempre escolhido pela inclinação mais forte que você tiver no momento de decisão. A inclinação pode ser meramente que o assento mais próximo de você está livre e você não gosta de andar longas distâncias para encontrar um lugar onde se sentar.
Tomada de decisão é um assunto complexo porque as opções que encontramos freqüentemente são muitas e variadas. Acrescente a isso o fato que nós somos criaturas com muitos e variados desejos. Temos motivações diferentes, muitas vezes mesmo conflitantes.
Considere o assunto dos sorvetes de casquinha. Sim, eu tenho problemas com sorvetes de casquinha e com sundaes. Se for possível ser viciado em sorvete, então eu devo ser classificado como um viciado em sorvete. Estou pelo menos oito quilos acima de meu peso, e estou certo de que pelo menos dez dos quilos que compõem o meu peso estão lá por causa de sorvete. O sorvete é, para mim, uma prova do adágio, "Um segundo nos lábios; para sempre nos quadris". E, "Indulgentes engordam." Por causa do sorvete tenho de comprar minhas camisas com tamanho extra na cintura.
Agora, todas as coisas sendo iguais, eu gostaria de ter um corpo magro e ajeitado. Não gosto de me espremer nos ternos e de ver senhoras de idade dando tapinhas na minha barriga. Dar tapinhas na barriga parece ser uma tentação irresistível para algumas pessoas. Eu sei o que tenho de fazer para me livrar desses quilos em excesso. Preciso parar de tomar sorvete. Assim, começo uma dieta. Começo porque eu quero começar uma dieta. Quero perder peso. Quero ter melhor aparência. Tudo está bem até que alguém me convida para ir ao Swenson's. O Swenson's faz os melhores "Super Sundaes" do mundo. Eu sei que não deveria ir ao Swenson's. Mas eu gosto de ir ao Swenson's. Quando chega o momento de decisão, fico face a face com desejos conflitantes. Tenho o desejo de ser magro e tenho o desejo de tomar um "Super Sundae". Qualquer desses desejos que for maior na hora da decisão é o desejo que vou escolher. É simples assim.
Agora considere minha esposa. Enquanto nos preparamos para celebrar nossas bodas de prata, estou consciente de que ela tem exatamente o mesmo peso que tinha no dia em que nos casamos. Seu vestido de noiva ainda lhe serve perfeitamente. Ela não tem maiores problemas com sorvete. A maioria dos restaurantes oferece só sorvetes de creme, chocolate e morango. Qualquer um desses me dá água na boca, mas não consegue enlaçar minha esposa. Ah-ah! Mas existe uma certa sorveteria que tem praliné e sorvete de chantilly. Quando vamos ao shopping center e passamos por ela, minha esposa experimenta uma estranha transformação. Seu passo desacelera, suas mãos ficam frias, e eu quase posso detectar um começo de salivação (Isso mesmo, salivação e não salvação). Agora ela experimenta o conflito de desejos que me assaltam diariamente.
Nós sempre escolhemos de acordo com nossa mais forte inclinação do momento. Mesmo atos externos de coação não podem tirar totalmente nossa liberdade. A coação envolve agir com algum tipo de força, impondo escolhas para pessoas que, se deixadas a si mesmas, não fariam. Eu certamente não tenho desejo de pagar o tipo de imposto de renda que o governo me faz pagar. Posso me recusar a pagá-lo, mas as conseqüências são menos desejáveis do que pagá-lo. Ameaçando-me com cadeia, o governo é capaz de impor sua vontade sobre mim para pagar impostos.
Ou considere o caso do roubo a mão armada. Um assaltante aproxima-se de mim e diz: "Seu dinheiro ou sua vida". Ele assim restringiu minhas opções a duas. Todas as coisas sendo iguais, não tenho desejo de dar meu dinheiro a ele. Há obras de caridade muito mais merecedoras do que ele. Mas, de repente, meus desejos mudaram como resultado de seu ato externo de coação. Ele está usando a força para provocar certos desejos em mim. Agora preciso escolher entre meu desejo de viver e meu desejo de dar a ele o que ele quer. Eu poderia muito bem lhe dar meu dinheiro porque, se ele me matar, levará meu dinheiro de qualquer jeito. Algumas pessoas poderiam escolher recusar-se, dizendo: "Eu preferiria morrer a entregar o que tenho a este assaltante. Ele terá de tirá-lo de meu cadáver".
Em qualquer dos casos, é feita uma escolha. E é feita de acordo com a mais forte inclinação do momento. Pense, se puder, em qualquer escolha que você já fez que não estivesse de acordo com a inclinação mais forte que você tinha no momento. Que dizer do pecado? Todo cristão tem algum desejo em seu coração de obedecer a Cristo. Amamos Cristo e queremos agradá-lo. Ainda assim, todo cristão peca. A dura verdade é que, no momento em que pecamos, desejamos o pecado mais fortemente do que desejamos obedecer a Cristo. Se desejássemos sempre obedecer a Cristo mais do que desejamos pecar, nunca pecaríamos.
O apóstolo Paulo não ensina diferentemente? Ele não nos conta uma situação em que ele age contra seus desejos? Ele diz em Romanos, "Porque não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço" (Rm 7.19). Aqui soa como se, sob a inspiração de Deus Espírito Santo, Paulo estivesse ensinando claramente que há vezes em que ele age contra suas mais fortes inclinações.
É extremamente improvável que o apóstolo esteja aqui nos dando uma revelação sobre a operação técnica da vontade. Em vez disso, ele está declarando plenamente o que cada um de nós tem experimentado. Todos temos o desejo de escapar do pecado. A síndrome do "todas as coisas sendo iguais" está em vista aqui. Todas as coisas sendo iguais, eu gostaria de ser perfeito. Eu gostaria de ficar livre do pecado, como gostaria de ficar livre de meu excesso de peso. Mas meus desejos não permanecem constantes. Eles flutuam. Quando meu estômago está cheio, é fácil entrar numa dieta. Quando meu estômago está vazio, meu nível de desejo muda. Tentações se levantam com a mudança de meus desejos e apetites. Então faço coisas que, todas as coisas sendo iguais, eu não desejaria fazer.
Paulo coloca perante nós exatamente o verdadeiro conflito dos desejos humanos, desejos que levam a más escolhas. O cristão vive dentro de um campo de batalha de desejos conflitantes. O crescimento cristão envolve o fortalecimento dos desejos de agradar a Cristo, acompanhado do enfraquecimento dos desejos de pecar. Paulo chamou isso de guerra entre a carne e o espírito.
Dizer que sempre escolhemos de acordo com nossa inclinação mais forte do momento é dizer que sempre escolhemos o que queremos. Em cada ponto da escolha somos livres e autodeterminados. Ser autodeterminado não é a mesma coisa que determinismo. Determinismo significa que somos forçados ou coagidos a fazer coisas por forças externas. As forças externas podem, como temos visto, limitar severamente nossas opções, mas não podem destruir completamente a escolha. Elas não podem impor prazer nas coisas que odiamos. Quando isso acontece, quando o ódio se torna em prazer, é uma questão de persuasão, e não de coação. Não posso ser forçado a fazer aquilo que já tenho prazer em fazer. A visão neutra do livre-arbítrio é impossível. Envolve escolha sem desejo. É como ter um efeito sem uma causa. E alguma coisa a partir do nada, que é irracional. A Bíblia torna claro que escolhemos a partir de nossos desejos. Um desejo maligno produz escolhas malignas e ações malignas. Um desejo piedoso produz atos piedosos. Jesus falou em árvores corruptas produzindo frutos corruptos. Uma figueira não dá maçãs e uma macieira não dá figos. Assim, desejos justos produzem escolhas justas e maus desejos produzem escolhas más.

CAPACIDADE MORAL E NATURAL
Jonathan Edwards fez outra distinção que é útil no entendimento do conceito bíblico do livre-arbítrio. Ele distinguiu entre capacidade natural e capacidade moral. A capacidade natural tem a ver com os poderes que recebemos como seres humanos naturais. Como um ser humano, tenho a capacidade natural de pensar, de andar, de falar, de ver, de ouvir, e, sobretudo, de fazer escolhas. Há certas capacidades naturais que me faltam. Outras criaturas podem possuir a capacidade de voar sem a ajuda de máquinas. Eu não tenho essa capacidade natural. Posso desejar voar pelos ares como o Super-Homem, mas não tenho essa capacidade. A razão pela qual eu não posso voar não é devida à deficiência moral no meu caráter, mas porque meu Criador não me deu o equipamento natural necessário para voar. Não tenho asas.
A vontade é uma capacidade natural dada a nós por Deus. Temos todas as faculdades naturais necessárias para fazer escolhas. Temos uma mente e temos uma escolha. Temos a capacidade natural de escolher o que desejamos. Qual, então, é o nosso problema? De acordo com a Bíblia, a localização de nosso problema é clara. É com a natureza de nossos desejos. Este é o ponto focai de nossa queda. A Escritura diz que o coração do homem decaído abriga continuamente desejos que são somente maus (Gn 6.5).
A Bíblia tem muito a dizer sobre o coração do homem. Na Escritura, o coração refere-se não tanto a um órgão que bombeia sangue através do corpo, como à essência da alma, ao lugar mais profundo das afeições humanas. Jesus viu uma conexão próxima entre a localização dos tesouros do homem e os desejos de seu coração. Encontre o mapa do tesouro do homem e você terá a estrada para seu coração.
Edwards declarou que o problema do homem com o pecado está em sua capacidade moral, ou falta dela. Antes que uma pessoa possa fazer uma escolha que é agradável a Deus, ela precisa primeiro ter um desejo de agradar a Deus. Antes de encontrarmos Deus, precisamos primeiro desejar procurá-lo. Antes de escolhermos o bem, precisamos primeiro ter um desejo pelo bem. Antes de escolhermos Cristo, precisamos primeiro ter um desejo por Cristo. O valor e a substância do debate todo apóiam-se precisamente neste ponto: O homem decaído, em si mesmo e de si mesmo, tem um desejo natural por Cristo?
Edwards responde a esta questão com um enfático "Não!". Ele insiste que, na queda, o homem perdeu seu desejo original por Deus. Quando ele perdeu esse desejo, alguma coisa aconteceu à sua liberdade. Ele perdeu a capacidade moral de escolher Cristo. Ou ele tem esse desejo já dentro dele, ou precisa receber esse desejo de Deus. Edwards e todos que abraçaram a visão reformada da predestinação concordam que, se Deus não plantar esse desejo no coração humano, ninguém, deixado a si mesmo, jamais escolherá Cristo. Eles sempre e em todo lugar rejeitarão Cristo porque eles não o desejam. Eles livremente rejeitarão Cristo no sentido de que sempre agirão de acordo com seus desejos.
A este ponto, não estou tentando provar a verdade da visão de Edwards. Para fazer isso, é preciso dar uma olhada de perto na visão bíblica da capacidade ou inabilidade moral do homem. Faremos isso mais tarde. Precisamos também responder à pergunta: "Se falta ao homem a capacidade moral de escolher Cristo, como pode Deus considerá-lo responsável por escolher Cristo? Se o homem nasce num estado de incapacidade moral, sem nenhum desejo de escolher Cristo, não é então culpa de Deus que os homens não escolham Cristo?" Novamente peço paciência ao leitor, com a promessa de que vou retomar estas questões brevemente.

A VISÃO DE LIBERDADE DE SANTO AGOSTINHO
Assim como Edwards fez uma crucial distinção entre capacidade moral e capacidade natural, também Agostinho, antes dele, fez uma distinção similar. Agostinho abordou o problema dizendo que o homem tem um livre-arbítrio, mas lhe falta liberdade. Na superfície parece uma distinção estranha. Como poderia alguém ter um livre-arbítrio e ainda assim não ter liberdade?
Agostinho estava chegando à mesma coisa que Edwards. O homem decaído não perdeu sua capacidade de fazer escolhas. O pecador ainda é capaz de escolher o que ele quer, ele ainda pode agir de acordo com seus direitos. Ainda assim, por serem seus desejos corruptos, ele não tem a liberdade real daqueles que foram libertos para a justiça. O homem decaído está num sério estado de servidão moral. Esse estado de servidão é chamado de pecado original.
O pecado original é um assunto difícil que virtualmente toda denominação cristã tem de enfrentar. A queda do homem é ensinada tão claramente na Escritura que não podemos construir uma visão do homem sem levá-la em consideração. Existem uns poucos cristãos, se é que existem, que argumentam que o homem não é decaído. Sem reconhecer que somos decaídos, não podemos reconhecer que somos pecadores. Se não reconhecermos que somos pecadores, dificilmente fugiremos para Cristo como nosso Salvador. Admitir a queda é um pré-requisito para vir a Cristo.
É possível admitir que somos decaídos sem abraçar alguma doutrina de pecado original, mas somente com severas dificuldades no processo. Não é por acaso que quase todo o Corpo de Cristo tem formulado alguma doutrina de pecado original.
Neste ponto, multidões de cristãos discordam. Concordamos que precisamos ter uma doutrina de pecado original, mas aí permanece grande discordância quanto ao conceito de pecado original e sua extensão.
Vamos começar declarando o que o pecado original não é. O pecado original não é o primeiro pecado. O pecado original não se refere especificamente ao pecado de Adão e Eva. O pecado original refere-se ao resultado do pecado de Adão e Eva. O pecado original é a punição que Deus dá pelo primeiro pecado. É alguma coisa assim: Adão e Eva pecaram. Esse foi o primeiro pecado. Como resultado do pecado deles, a humanidade foi mergulhada em ruína moral. A natureza humana experimentou uma queda moral. As coisas mudaram para nós depois que o primeiro pecado foi cometido. A raça humana tornou-se corrompida. A corrupção subseqüente é o que a Igreja chama de pecado original. O pecado original não é um ato específico de pecado. É uma condição de pecado.
O pecado original refere-se a uma natureza de pecado a partir da qual fluem atos pecaminosos. Novamente, nós cometemos atos pecaminosos porque nossa natureza é para pecar. A natureza original do homem não era para pecar, mas, depois da queda, sua natureza original mudou. Agora, por causa do pecado original, temos uma natureza decaída e corrompida.
O homem decaído, como a Bíblia declara, é nascido no pecado. Ele está "debaixo" do pecado. Pela natureza, somos filhos da ira. Não nascemos num estado de inocência.
John Gerstner uma vez foi convidado a pregar numa igreja presbiteriana. Ele foi saudado à porta pelos presbíteros, que lhe explicaram que a ordem de adoração para aquele dia incluía a administração de batismo infantil. O Dr. Gerstner concordou em dirigir o culto. Então um dos presbíteros explicou uma tradição especial da igreja. Ele pediu ao Dr. Gerstner que oferecesse uma rosa branca aos pais de cada bebê antes do batismo. O Dr. Gerstner perguntou sobre o significado da rosa branca. O presbítero respondeu: "Nós oferecemos a rosa branca como símbolo da inocência do bebê perante Deus".
"Entendo", disse o Dr. Gerstner. "E o que simboliza a água?"
Imagine a consternação do presbítero quando tentou explicar o propósito simbólico de lavar o pecado de inocentes bebês. A confusão de sua congregação não é exclusiva dela. Quando reconhecemos que bebês não são culpados de cometer atos específicos de pecado, é fácil saltar para a conclusão de que são, portanto, inocentes. Este é um largo salto teológico sobre uma pilha de espadas. Embora o bebê seja inocente de atos específicos de pecado, ele ainda é culpado pelo pecado original.
Para entender a visão reformada da predestinação é absolutamente necessário entender a visão reformada do pecado original. Os dois assuntos sustentam-se juntos, ou caem juntos.
A visão reformada segue o pensamento de Agostinho. Agostinho elucida o estado de Adão antes da queda e o estado da humanidade depois da queda. Antes da queda foram concedidas a Adão duas possibilidades: Ele tinha a capacidade para pecar e a incapacidade para não pecar. A idéia de "incapacidade para não" é um pouco confusa porque, em nossa língua, é uma dupla negativa. A fórmula latina de Agostinho era non posse non peccare. Colocado de outra maneira, significa que, depois da queda, o homem era moralmente incapaz de viver sem pecar. A capacidade de viver sem pecar foi perdida na queda. A incapacidade moral é a essência do que chamamos de pecado original.
Quando nascemos de novo, nossa servidão ao pecado é aliviada. Depois que somos vivificados em Cristo, novamente temos a capacidade para pecar e a capacidade para não pecar. No céu, teremos a incapacidade para pecar. Vamos ver isto no quadro seguinte:

O homem antes
da queda
O homem
depois da queda
O homem
renascido
O homem
glorificado
capaz de pecar capaz de pecar capaz de pecar  
capaz de não
pecar
  capaz de não
pecar
capaz de não
pecar
  incapaz de não
pecar
   
      incapaz de pecar

O quadro mostra que o homem antes da queda, depois da queda e depois de renascer é capaz de pecar. Antes da queda ele é capaz de não pecar. Essa capacidade, a capacidade de não pecar, é perdida na queda. É restaurada quando a pessoa nasce de novo, e continua no céu. Na criação, o homem não sofreu de incapacidade moral. A incapacidade moral é um resultado da queda. Colocando de outra maneira, antes da queda o homem era capaz de refrear-se de pecar; depois da queda, não é mais capaz de refrear-se de pecar. É isso que chamamos de pecado original. Esta incapacidade moral ou servidão moral é vencida através do renascimento espiritual. O renascimento libera-nos do pecado original. Antes do renascimento ainda temos um livre-arbítrio, mas não temos esta liberação do poder do pecado, que é o que Agostinho chamou de "liberdade".
A pessoa que é renascida ainda pode pecar. A capacidade de pecar não é removida até que sejamos glorificados no céu. Temos a capacidade de pecar, mas não estamos mais sob a servidão do pecado original. Fomos libertados. Isto, é claro, não quer dizer que agora vivemos vidas perfeitas. Ainda pecamos. Mas não podemos dizer que pecamos porque isso é tudo que nossa natureza decaída tem poder para fazer.

A VISÃO DE JESUS DA CAPACIDADE MORAL
Fizemos um breve resumo da visão de Jonathan Edwards e de Santo Agostinho sobre o assunto da incapacidade moral. Eu acho que eles são úteis, e estou também persuadido que eles estão corretos. Ainda assim, a despeito de sua autoridade como grandes teólogos, nenhum deles pode exigir de nós nossa submissão absoluta a seus ensinamentos. Ambos são falíveis. Para o cristão, o ensinamento de Jesus é outro assunto. Para nós, assim como para qualquer outra pessoa, se de fato Jesus é o Filho de Deus, o ensinamento de Jesus deve estar atado às nossas consciências. Seu ensinamento sobre a questão da capacidade moral do homem é definitivo.
Um dos ensinamentos mais importantes de Jesus sobre este assunto é encontrado no Evangelho de João. "Por causa disto é que vos tenho dito: Ninguém poderá vir a mim se pelo Pai não lhe for concedido" (Jo 6.65).
Vamos olhar de perto para este versículo. O primeiro elemento do ensinamento é uma negativa universal. A palavra "ninguém" é completamente inclusiva. Não permite nenhuma exceção além das exceções que Jesus acrescenta. A próxima palavra é crucial. É a palavra poderá. Isto tem a ver com capacidade, e não com permissão.
Nesta passagem Jesus não está dizendo: "Não é permitido que ninguém venha a mim". Ele está dizendo, "Ninguém é capaz de vir a mim."
A palavra seguinte na passagem é também vital. "Se" refere-se ao que chamamos de condição necessária. Uma condição necessária refere-se a algo que precisa acontecer antes que outra coisa possa acontecer. O significado das palavras de Jesus é claro. Nenhum ser humano tem a possibilidade de poder vir a Cristo a menos que aconteça alguma coisa que torne possível que ele venha. Essa condição necessária que Jesus declara é que "lhe seja concedido pelo Pai". Jesus está dizendo aqui que a capacidade de vir a Ele é um dom de Deus. O homem não tem capacidade em si mesmo e de si mesmo para vir a Cristo. Deus precisa fazer alguma coisa antes.
A passagem ensina pelo menos isto: Não está dentro da capacidade natural do homem decaído vir a Cristo por si próprio, sem algum tipo de assistência divina. Pelo menos até este ponto, Edwards e Agostinho estão em sólida concordância com o ensinamento de nosso Senhor. A pergunta que permanece é esta: Deus dá a capacidade de vir a Jesus a todos os homens? A visão reformada da predestinação diz que não. Algumas outras visões da predestinação dizem que sim. Porém uma coisa é certa: o homem não pode fazê-lo por seu próprio poder, sem algum tipo de ajuda de Deus.
Que tipo de ajuda é requerido? Até onde Deus precisa ir para vencer nossa capacidade natural de vir a Cristo? Uma evidência é encontrada em outro lugar, neste mesmo capítulo. De fato, há duas outras declarações de Jesus que têm relação direta com esta questão.
Anteriormente, no capítulo 6 do Evangelho de João, Jesus faz uma declaração similar. Ele diz: "Ninguém pode vir a mim se o Pai que me enviou não o trouxer" (Jo 6.44). A palavra chave aqui é trouxer. O que significa para o Pai trazer pessoas a Cristo? Muitas vezes tenho ouvido este texto explicado como significando que o Pai precisa convidar ou atrair os homens para Cristo. A menos que isto aconteça, nenhum homem virá a Cristo. Contudo, o homem tem a capacidade de resistir a esse convite ou de recusar a atração. O convite, embora necessário, não compele. Na linguagem filosófica, isso significaria que a atração de Deus é uma condição necessária, mas não suficiente para trazer os homens a Cristo. Em linguagem mais simples, significa que não podemos vir a Cristo sem o convite, mas o convite não garante que viremos, de fato, a Cristo.
Estou persuadido de que a explicação acima, que é tão difundida, está incorreta. Faz violência ao texto da Escritura, particularmente ao sentido bíblico da palavra trouxer. A palavra grega usada aqui é elko. O Dicionário Teológico do Novo Testamento, de Kittel, define-a como significando compelir por irresistível superioridade. Lingüisticamente e lexicograficamente, a palavra significa "compelir".
Compelir é um conceito muito mais vigoroso do que cortejar. Para enxergar mais claramente, vamos dar uma olhada em duas outras passagens do Novo Testamento onde a mesma palavra grega é usada. Em Tiago 2.6, lemos: "Entretanto, vós outros menosprezastes o pobre. Não são os ricos que vos oprimem, e não são eles que vos arrastam para os tribunais?" Adivinhe qual palavra nesta passagem é a mesma palavra grega que em outros lugares está traduzida por trazer. É a palavra arrastar. Vamos agora substituir este texto pela palavra convidar. Ficaria assim: "Não são os ricos que vos oprimem e vos convidam para tribunais?"
O mesmo ocorre em Atos 16.19. "Vendo os seus senhores que se lhes desfizera a esperança do lucro, agarrando em Paulo e Silas, os arrastaram para a praça, à presença das autoridades." Novamente, tente substituir a palavra arrastar pela palavra convidar. Paulo e Silas não foram agarrados e então convidados para irem à praça.
Uma vez me convidaram para debater a doutrina da predestinação num fórum público, num seminário arminiano. Meu opositor era o chefe do departamento de Novo Testamento do seminário. Num ponto crucial do debate, concentramos nossa atenção na passagem a respeito do Pai atraindo pessoas. Meu opositor foi quem trouxe a passagem, como prova para dar suporte à sua alegação de que Deus nunca força ou compele ninguém a vir a Cristo. Ele insistia que a divina influência sobre o homem decaído era restrita à atração, que ele interpretava como tendo o significado de convite.
Nesse ponto do debate rapidamente me referi a Kittel e às outras passagens do Novo Testamento que traduzem a palavra como arrastar. Estava certo de tê-lo vencido. Estava certo de que ele havia entrado numa dificuldade insolúvel para sua própria posição. Mas ele me surpreendeu. Ele me pegou completamente desprevenido. Jamais me esquecerei daquele momento agonizante em que ele citou uma referência de um obscuro poeta grego em que a mesma palavra grega era usada para descrever a ação de tirar água de um poço. Ele olhou para mim e disse: "Bem, professor Sproul, alguém arrasta água de um poço?" Imediatamente a audiência explodiu em gargalhadas por causa da surpreendente revelação do significado alternativo da palavra grega. Eu fiquei ali, parecendo um pouco tolo. Quando as risadas cessaram, repliquei: "Não, senhor. Tenho de admitir que nós não arrastamos água de um poço. Mas, como conseguimos água de um poço? Nós a convidamos? Ficamos em cima do poço e gritamos: "Aqui, água, vem, água?" E tão necessário que Deus venha a nossos corações para nos voltar em direção a Cristo, como é para nós colocar o balde na água e puxá-lo para fora, se quisermos algo para beber. A água simplesmente não virá por si própria, respondendo a um mero convite externo.
Por mais cruciais que sejam estas passagens do Evangelho de João, elas não ultrapassam em importância um outro ensinamento de Jesus no mesmo Evangelho, com respeito à incapacidade moral do homem. Estou pensando na famosa discussão que Jesus teve com Nicodemos em João 3. Jesus disse a Nicodemos: "Em verdade, em verdade te digo que se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus" (Jo 3.3). Dois versículos depois Jesus repete o ensinamento: "Em verdade, em verdade vos digo: Quem não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus".
Aqui encontramos a expressão chave Quem não... Jesus está declarando uma precondição necessária e enfática para a capacidade de qualquer ser humano de ver e entrar no Reino de Deus. Essa precondição enfática é o renascimento espiritual. A visão reformada da predestinação ensina que, antes que uma pessoa escolha Cristo, seu coração precisa ser mudado. Ela precisa nascer de novo. As visões não reformadas ensinam que as pessoas decaídas primeiro escolhem Cristo e depois nascem de novo. Aqui encontramos pessoas não regeneradas vendo e entrando no Reino de Deus. No momento em que uma pessoa recebe Cristo, ela está no reino. Não é primeiro crer, e depois se tornar renascido, e então ser introduzido no reino. Como pode um homem escolher um reino que não pode ver? Como pode um homem entrar no reino sem primeiro ser renascido? Jesus estava apontando para a necessidade de Nicodemos de ser nascido do Espírito. Ele estava na carne. A carne produz somente carne. A carne, disse Jesus, não tem nenhum proveito. Como Lutero argumentava: "Isso não significa pouca coisa". As visões não reformadas mostram pessoas respondendo a Cristo sem serem renascidas. Estão ainda na carne. Para as visões não reformadas, a carne não só tem algum proveito, como tem o proveito da coisa mais importante que uma pessoa poderia ganhar — a entrada no reino através de crer em Cristo. Se uma pessoa que ainda está na carne, que ainda não é renascida pelo poder do Espírito Santo, pode inclinar-se ou dispor-se a Cristo, para que o renascimento? Esta é a falha fatal das visões não reformadas. Elas falham em levar a sério a incapacidade moral do homem, a impotência moral da carne.
Um ponto cardeal da teologia reformada é a máxima: "A regeneração precede à fé". Nossa natureza é tão corrupta, o poder do pecado é tão grande que, a menos que Deus faça uma obra sobrenatural em nossas almas, nunca vamos escolher Cristo. Não cremos para sermos nascidos de novo; somos nascidos de novo para que possamos crer.
É irônico que no mesmo capítulo, aliás no mesmo contexto no qual nosso Salvador ensina a absoluta necessidade do renascimento, até mesmo para ver o reino, e quanto mais para escolhê-lo, as visões reformadas encontram uma de suas principais provas para argumentar que o homem decaído conserva uma pequena ilha de habilidade para escolher Cristo. E João 3.16: "...Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna".
O que este famoso versículo ensina a respeito da capacidade que o homem decaído tem de escolher Cristo? A resposta, simplesmente, é nada. O argumento usado pelos não reformados é que o texto ensina que todas as pessoas no mundo têm em seu poder aceitar ou rejeitar Cristo. Uma olhada cuidadosa no texto revela, contudo, que ele não ensina nada desse tipo. O que o texto ensina é que todo o que crê em Cristo será salvo. Quem fizer A (crer) receberá B (vida eterna). O texto não diz nada, absolutamente nada, sobre quem vai crer. Não diz nada sobre a capacidade moral natural do homem decaído. Os reformados e os não-reformados crêem, ambos, de coração, que todos os que crerem serão salvos. Eles discordam, de coração, sobre quem tem a capacidade de escolher.
Alguns podem responder: "Tudo bem. O texto não ensina explicitamente que os homens decaídos têm a capacidade de escolher Cristo sem ser primeiro renascidos, mas isto certamente está implícito". Não estou querendo conceder que o texto chegue mesmo a ter tal coisa implícita. Contudo, mesmo que tivesse, não faria nenhuma diferença no debate. Por que não? Nossa regra para interpretar a Escritura é que as implicações extraídas da Escritura precisam sempre estar subordinadas aos ensinamentos explícitos dela. Não devemos nunca, nunca, nunca, reverter isto e subordinar os ensinamentos explícitos da Escritura a possíveis implicações extraídas dela. Esta regra é compartilhada tanto pelos pensadores reformados como pelos não reformados.
Se João 3.16 implicasse numa capacidade humana natural universal do homem decaído para escolher Cristo, então essa implicação seria varrida pelo ensinamento contrário explícito de Jesus. Já temos mostrado que Jesus explicitamente e sem ambigüidade ensinou que nenhum homem tem a capacidade de vir a Ele sem que Deus faça alguma coisa para dar-lhe essa capacidade, atraindo-o.
O homem decaído é carne. Na carne ele não pode fazer nada para agradar a Deus. Paulo declara: "Por isso, o pendor da carne é inimizade contra Deus, pois não está sujeito à lei de Deus, nem mesmo pode estar. Porquanto o que está na carne não pode agradar a Deus" (Rm 8.7,8).
Perguntamos então: "Quem são aqueles que estão na carne?" Paulo continua declarando: "Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se de fato o Espírito de Deus habita em vós..." (Rm 8.9). A palavra crucial aqui é "se". O que distingue aqueles que estão na carne daqueles que não estão é a habitação interior do Espírito Santo. Ninguém que não é renascido é habitado interiormente por Deus o Espírito Santo. Pessoas que estão na carne não foram renascidas. A menos que sejam primeiro renascidas, nascidas do Espírito Santo, elas não podem estar sujeitas à lei de Deus. Não podem agradar a Deus.
Deus nos ordena que creiamos em Cristo. Ele se agrada daqueles que escolhem Cristo. Se pessoas não regeneradas pudessem escolher Cristo, então elas poderiam estar sujeitas a pelo menos uma das ordens de Deus, e poderiam ao menos fazer alguma coisa que fosse agradável a Deus. Se fosse assim, então o apóstolo teria errado aqui ao insistir que aqueles que estão na carne não podem nem estar sujeitos a Deus nem agradá-lo.
Concluímos que o homem decaído é ainda livre para escolher o que deseja, mas, porque seus sentimentos são maus, falta-lhe a capacidade moral de vir a Cristo. Enquanto ele permanecer na carne, não regenerado, nunca escolherá Cristo. Ele não pode escolher Cristo precisamente porque não pode agir contra sua própria vontade. Ele não tem desejo por Cristo. Ele não pode escolher o que não deseja. Sua queda é grande. É tão grande que somente a graça efetiva de Deus operando em seu coração pode trazê-lo à fé.

RESUMO DO CAPÍTULO 3
1. O livre-arbítrio é definido como a "capacidade de fazer escolhas de acordo com nossos desejos."
2. O conceito de "vontade neutra livre", uma vontade sem disposições e inclinações anteriores, é uma visão falsa do livrearbítrio. E tanto irracional quanto antibíblica.
3. O verdadeiro livre-arbítrio envolve um tipo de autodeterminação, que difere da coação por uma força externa.
4. Lutamos com escolhas, em parte porque vivemos com desejos conflitantes e mutantes.
5. O homem decaído tem a capacidade natural de fazer escolhas, mas falta-lhe a capacidade moral de fazer escolhas santas.
6. O homem decaído, como disse Santo Agostinho, tem "livre-arbítrio", mas falta-lhe "liberdade".
7. O pecado original não é o primeiro pecado, mas a condição pecaminosa que é o resultado do pecado de Adão e Eva.
8. O homem decaído é "incapaz de não pecar."
9. Jesus ensinou que o homem não tem poder para vir a Ele sem ajuda divina.
10. Para que uma pessoa escolha Jesus, ela precisa primeiro ser nascida de novo.

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Fonte: Eleitos de Deus, R.C. Sproul, cap. 3, Ed. Cultura Cristã

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